quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A ALEGRIA DO VIZINHO INCOMODA

Cristina não aguentava mais aquela mesma vida de sempre. Os dias eram muito longos, e as novidades quase não existiam. Vivia para o marido. Tinha tempo de sobra, mas o tempo era gasto da mesma forma.
Fazer a mesma coisa todos os dias é como almoçar no mesmo restaurante de sempre, a comida é a mesma, mas o paladar começa a não suportar o mesmo sabor.
Em uma manhã, senhor Eugenio chegou mais cedo, colocou o paletó em sua cadeira preta de madeira rústica e muito bem acabada, peça que ganhara de herança pouco antes da morte de dona Aparecida, sua avó paterna. Meio cansado, dirigiu-se até a esposa, que penteava o cabelo recém lavado. Cristina acabara de sair do banho e foi surpreendida com a chegada repentina do marido:
Por que chegou mais cedo hoje, amor? O que houve?
Amanhã bem cedo estarei saindo de viagem, sem previsão de retorno. Sérgio, meu patrão, irá inaugurar uma filial da empresa na capital, e quer que eu tome conta dos negócios até que tudo se ajeite.
Cristina pensou, e como não tinha outra opção que não fosse a de desejar boa viagem ao marido, sorriu e disse:
Estarei esperando ansiosa pela sua volta, não demore. Telefone sempre, para contar-me as novidades. Sentirei sua falta!
E assim ele fez. Eugenio partiu antes que o sol nascesse. Cristina não conseguiu voltar ao sono, mas naquele dia resolver dar-se folga. Aquela casa não era a mesma sem o marido. O desconforto da casa vazia trazia total insegurança. Levantou-se e se dirigiu-se até a copa, tomou o telefone em suas mãos e ligou para a sua amiga, Viviane:
Que tal darmos uma volta? O dia está tão lindo para ser aproveitado dentro de uma casa, sem a luz do sol.
Viviane aceitou, embora não acreditasse na ligação de Cristina, menos ainda na importância da amiga em ficar dentro de casa. Parou alguns instantes até digerir a surpresa da ligação, depois vestiu-se e foi ao encontro dela. Decidiram, então, que iriam ao parque.
Assim fizeram todos os dias, durante duas semanas. Cristina saía de casa e voltava sempre com um sorriso no rosto, mesmo quando a amiga não podia acompanhá-la. Nunca se viu tão livre como nos últimos quinze dias. O ar que transmitia aos vizinhos era de extrema felicidade, e isso gerava desconforto à toda vizinhança.
Os comentários eram sempre os mesmos, na padaria da esquina, no bar, no cabeleireiro do quarteirão ao lado, enfim, por todo o bairro: o que estaria fazendo a senhora Cristina? Será que estava aproveitando a ausência do marido para traí-lo? Como poderia uma pessoa que raramente  colocava os pés para fora de casa estar saindo tanto?
Senhor Roberto, após ver dona Cristina saindo de casa muito cedo, comentou com o Joaquim, velho cliente que alí se encontrava tomando uma xícara de café na sua padaria, como fazia todos os dias:
Pobre Eugênio! Ele nem imagina que sua mulher esteja passando pelos braços de outro homem. Trabalhando na capital para garantir o sustento e o conforto do lar, enquanto a esposa se diverte como quer, aproveitando a ausência masculina do seu lar para se engracinhar com um fulano qualquer. Ninguém é feliz todos os dias…
É na ausência do patrão que se conhece o empregado. Respondeu senhor Joaquim, movimentando a cabeça negativamente.
O tempo, agora, era bem utilizado. O espaço que recebeu, após a viagem do marido, fez dona Cristina descobrir que o prazer está muito além da limitação de qualquer meio. O espaço já não era somente a sua casa, mas diversos lugares. Quanto mais espaços explorava, mais livre ela se sentia.

Depois de muito tempo o marido voltou, e os vizinhos estranharam. Perceberam que dona Cristina conituava saindo. O que eles não sabiam é que ela havia contado tudo que fizera antes do seu retorno, e o marido havia ficado contente por ela ter achado um espaço próprio, que a agradava mais a ficar somente presa dentro de casa. Os dois, formando um casal, eram pessoas distintas, agora livres dentro do próprio espaço, e isso contribuía inclusive para o bem estar do casal.

Cristina era outra. Percebeu, então, que não se tratava de pura exploração de espaços, mas da sua própria liberdade.

Os comentários continuavam. Os vizinhos não entendiam como o senhor Eugenio ainda não tinha desconfiado da suposta traição, vista por todos. A alegria dos colegas de rua era comentar sobre a vida do casal misterioso, e a alegria do casal era comentar, durante o jantar, como tinha sido o dia de cada um dos dois. Ele falava sobre seu trabalho, e ela sobre os novos lugares que visitava durante todos os dias, das compras que fazia, das tardes na casa da amiga, ou dos encontros com a mesma companheira de infância no parque da cidade.

Eugenio percebia uma esposa diferente, mais aberta, contente com uma vida tão simples, mas diferente daquela dona de casa de antes. A alegria dela transmitia alegria para a vida do casal. Os comentários que chegavam aos seus ouvidos causava-lhe repúdio. Ele jamais demosntrou  que sabia das saídas de dona Cristina, justamente para se divertir com aquilo que chegava aos seus ouvidos sobre os dias em que esteve fora.

A novidade, seguida de alegria, causa desconforto ao próximo. Se a vida de alguém não tem novidade, tomar conta da vida do outro é mais interessante.