O dia começou tranquilo. Luciano não tinha hora para acordar,
mas resolveu pular da cama mais cedo para aproveitar o sol da manhã. O
calor era agradável, embora houvesse a necessidade de manter o ventilador
ligado. Abriu a porta da frente e abaixou-se, recolhendo o jornal, que estava
próximo ao tapete. As notícias pareciam sempre as mesmas: acidentes envolvendo
veículos de transporte, enchentes, políticos atacando a oposição, população
reclamando da falta de cuidados da administração pública aos mais necessitados,
e algumas vezes boas notícias, como a inauguração de uma nova escola, de um
novo posto de saúde, ou reformas e doações à casas assistenciais. Mas o
diferencial, aquilo que mudava sempre, eram as crônicas e os artigos. Através
desses textos, Luciano podia ter uma leitura diferente, todos os dias.
Descobrira cedo, enquanto adolescente, que mesmo que uma coisa
parecesse perfeita, havia sempre algum defeito. Nada nem ninguém era perfeito.
Os lugares que frequentava eram sempre os mesmos, com as mesmas pessoas.
Mas a conversa era diferente, a forma de conduzir as suas ações era diferente.
Não importava o lugar e nem com quem estivesse. O trabalho podia ser o mesmo, o
clube, a academia, o cabeleireiro, os horários, tudo igual, porém, havia sempre
oportunidades que o possibilitava fazer tudo de outras formas. Luciano sabia
fazer as coisas serem diferentes, com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares, e
isso o tornava diferente.
Havia, no lugar do sossego, algo que incomodava Luciano quando
pensava adiante, no futuro. Aquilo que é incerto incomoda. O passado às vezes
incomoda, também. Como recordações de infância podiam incomodar tanto um
adulto formado, maduro, vivido, como ele? Pois é, ele não tinha total
controle emocional. Ninguém tem total controle da própria emoção. Mas
aquilo que Luciano fazia, todos os dias, não deixava passado algum tomar conta
das novidades, do presente, da rotina diferente que ele levava. As
recordações não traziam saudade, mas o desejo de fazer tudo diferente. E fazer
diferente era com ele.
Nesse dia, após ler o jornal, Luciano tomou o seu banho da
manhã, e foi almoçar. À tarde, tomou um café diferente, na mesma conveniência
de sempre. Na academia, onde fazia musculação todos os dias, ele fez exercícios
diferentes. Na mesma locadora, ao final do dia, ele alugou um filme diferente.
Ao pedir o jantar, no mesmo restaurante de sempre, ele pediu um prato
diferente. Antes de dormir, tomou um livro em suas mãos, mas resolveu fazer a
leitura estando sentado, e não deitado, como sempre. Leu pouco mais de dois
capítulos e se deitou, adormecendo em seguida.